quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Lúdico para o Autismo

A abordagem interacionista, responsiva, motivacional e lúdica da Inspirados pelo Autismo


Crianças e adultos com autismo apresentam dificuldades na aprendizagem da habilidade de orientação social, no desenvolvimento de habilidades como a atenção compartilhada (prestar atenção à mesma atividade ou ao tópico que outra pessoa está prestando) e o compartilhar experiências emocionais com os outros. Estes são passos cruciais durante os primeiros anos do desenvolvimento da criança e formam a fundação para todo o aprendizado social. Sem a habilidade de atenção compartilhada, a criança não é capaz de sustentar uma conversa ou até envolver-se em uma simples brincadeira de cócegas por muito tempo. De maneira similar, esta criança não consegue colocar-se “no lugar de outra pessoa” e imaginar o que a outra pessoa possa estar pensando ou sentindo, o que é vital para a participação em trocas sociais dinâmicas e espontâneas. O desenvolvimento da atenção compartilhada, da flexibilidade social, do contato visual, da comunicação receptiva e expressiva são fundamentais para que a criança com autismo não fique perdida na arena social.
Ao considerar o desenvolvimento da habilidade de atenção compartilhada uma fundação para os outros aprendizados, utilizamos uma abordagem interacionista que valoriza o relacionamento com a pessoa que apresenta características do espectro do autismo. Interações divertidas com a criança incentivam o desejo por mais participações espontâneas em interações. O objetivo é que a criança aprenda a ser ativa na interação social e que se interesse cada vez mais pelo que o outro faz ou fala. Para tanto, é essencial que sejamos pessoas interessantes para ela, pessoas com quem ela goste de estar! Ser divertidos, compreensivos, prestativos, amorosos, demonstrando nosso respeito e admiração pela criança em nossas interações diárias com ela.
Muitas das pessoas com autismo apresentam grandes dificuldades de comunicação. O estilo responsivo de interação tem como princípio responder aos sinais e comunicações da criança para atender aos seus interesses e necessidades. Respondendo de forma imediata, positiva e intensa à maior parte das tentativas de comunicação da criança, demonstramos a função e o poder de sua comunicação, e a estimulamos a querer se comunicar conosco com maior frequência e qualidade.
Quanto mais motivada a criança estiver para interagir conosco espontaneamente, maior será o seu envolvimento, participação e aprendizado. Queremos então inspirar a criança a se sentir motivada para interagir, superar suas dificuldades e aprender. A avaliação das habilidades atuais da criança identifica os próximos passos a serem trabalhados e estimulados (as metas educacionais), e as informações relativas aos atuais interesses, estilo de aprendizagem e preferências sensoriais da criança auxiliam a elaboração personalizada de atividades interativas motivacionais, interessantes e divertidas, que proporcionem a oportunidade da criança desenvolver suas habilidades.
Se a criança participa da atividade interativa apenas para ganhar no final um prêmio externo como, por exemplo, um chocolate, a motivação neste caso é extrínseca à atividade, externa, sem conexão direta com a atividade. Se a criança participa da atividade interativa porque tanto o papel do adulto como o papel da criança nesta atividade são interessantes para ela, a motivação é intrínseca, diretamente ligada à atividade. Quanto mais intrínseca for a motivação em uma atividade, mais tempo a criança tenderá a querer permanecer nela e maior a disponibilidade para superar seus desafios.
O elemento lúdico promove a flexibilização e expansão do pensamento, a curiosidade pelo novo, a criatividade e a expressividade, em um ambiente em que a criança se sente segura e confortável para explorar novas possibilidades, criar conexões, desenvolver novas habilidades. É o aprender brincando.
Os princípios da abordagem interacionista, responsiva, motivacional e lúdica também são aplicados no trabalho com um adulto. As atividades são adaptadas para serem motivadoras e apropriadas ao estágio de desenvolvimento específico do indivíduo, qualquer que seja sua idade. Uma vez que a pessoa com autismo esteja motivada para interagir com um adulto, este adulto facilitador poderá então criar interações que a ajudarão a aprender as habilidades do desenvolvimento que são aprendidas através de interações dinâmicas com outras pessoas (por exemplo, o contato visual “olho no olho”, as habilidades de linguagem e de conversação, o brincar, a imaginação, a criatividade, as sutilezas do relacionamento humano), e habilidades emocionais, sensório-motoras, de vida diária e de cognição.
Colocando em prática o estilo responsivo de interação
A criança com características do espectro do autismo apresenta dificuldades para interagir e se comunicar. Na residência da criança, em uma clínica, ou até na escola quando possível, reserve um tempo para ser especialmente responsivo à sua criança. Ao ser responsivo aos desejos e às iniciativas sociais da criança, sendo prestativo e respondendo positivamente ao que ela quer, você estará facilitando e encorajando mais interações com ela. A atitude responsiva não poderá ser utilizada o tempo todo, pois precisaremos também impor limites e lidar com os direitos e desejos das outras pessoas, mas podemos aumentar a porcentagem do tempo em que somos responsivos com a criança, principalmente em ambientes especialmente preparados para ela e e nos quais ela tenha nossa total atenção.
Se sua criança demonstrar para você com gestos, sons, palavras ou olhares que deseja algo (e que seja possível para você dar), seja prestativo e responda imediatamente oferecendo a ela o que ela deseja. Mostre claramente que as iniciativas sociais da criança são eficazes para conseguir sua ajuda. Quanto mais a criança interagir com você, mais ela aprenderá com você. Com o tempo, em interações prazerosas e de confiança, você poderá ajudar sua criança a comunicar-se de formas cada vez mais complexas e eficazes.
A atenção compartilhada ou conjunta (prestar atenção ao mesmo que a outra pessoa) é a base para o aprendizado social da criança. Queremos que a criança tenha experiências prazerosas ao interagir conosco para motivá-la a querer interagir mais vezes. Nada melhor então do que brincar! Observe o que a sua criança está gostando de fazer e brinque com ela, divirta-se. Quando ela estiver receptiva para brincar com você, ofereça ideias para expandir a brincadeira. Conhecendo os interesses da criança, você também pode criar e sugerir atividades interativas que sejam interessantes para ela e que possibilitem mais interações e oportunidades para que as metas educacionais (aquilo que você gostaria de ajudá-la a aprender naquele momento) sejam trabalhadas. As metas educacionais podem ser trabalhadas de forma divertida no decorrer da interação prazerosa.

Brincadeira imitativa

No momento em que a criança não apresenta disponibilidade para interagir, ao invés de forçá-la a brincar conosco, podemos utilizar uma estratégia responsiva que crianças de desenvolvimento típico utilizam nos primeiros anos de vida: brincar em paralelo com as outras crianças. Quando brincamos em paralelo, observamos as ações da outra pessoa e espelhamos ou imitamos essas ações demonstrando nosso interesse no que a pessoa faz. É uma forma não invasiva de aproximação. Aos poucos, a criança que está sendo espelhada pode passar a espontaneamente prestar atenção em nós interessada em nossa ação, o que leva ao desenvolvimento da habilidade de atenção compartilhada! Ao sermos observados pela criança, podemos tentar expandir nossas ações oferecendo variações da ação imitada, ações motivadoras que estimulem a criança a permanecer interativa, e quem sabe conseguir até que a criança passe a nos imitar e a responder positivamente a desafios divertidos.

A participação espontânea da criança em interações dinâmicas, envolventes e estimulantes é fator chave para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, cognitivas, sensório-motoras, de comunicação e de vida diária


Fonte: http://www.inspiradospeloautismo.com.br/a-abordagem/

terça-feira, 16 de setembro de 2014

A Feminilidade & Freud

"Feminilidade" 

(Sigmund Freud, Conf. XXXIII, Vol. XXII, 1932/33)

                                             

Freud esclarece que a psicanálise não está em busca de descrever o que é a mulher, mas sim descobrir como a mulher se forma e como se desenvolve desde criança. Descreve a menina como sendo menos agressiva, auto-suficiente e desafiadora que os meninos, mostrando-se mais dependente pelo fato de sentir mais necessidade de obter carinho. Freud relaciona esta dependência e bondade da menina ao fato de ela aprender mais facilmente a controlar as excreções.

Freud discorre em seu texto sobre as diferenças anatômicas do homem e da mulher, atentando para o fato de que partes do aparelho sexual masculino aparecem também na mulher de modo atrofiado e vice versa. Isso é considerado por ele como bissexualidade. Há uma idéia de que todo ser humano é bissexual.

Freud pontua que as meninas devem passar por duas tarefas: 1) fazer a troca de zona erógena. 2) Fazer a troca de objeto. Na primeira, o que ocorre é a mudança da sensibilidade e importância do clitóris para a vagina. Durante a fase fálica, o clitóris é a principal zona erógena. No entanto, com a mudança para a feminilidade, é esperado que essa troca ocorra. Na segunda tarefa, ocorre a mudança de objeto de amor para a menina, sendo que este amor é transferido da mãe para o pai. Esse afastar-se da mãe na menina é um ato que está envolto de hostilidade, a menina passa a apresentar diversas queixas e acusações contra a mãe, o que comprova este sentimento hostil. As mais intensas frustrações ocorrem durante o período fálico quando a mãe proíbe a menina de praticar atividades masturbatórias com seus genitais, atividade esta que ela mesma iniciou na criança a partir de seus cuidados maternos. Portanto, o primeiro objeto de amor tanto para as meninas quanto para os meninos é a mãe. Contudo, durante a fase do Complexo de Édipo, a menina tem o pai como objeto de amor e é esperado que durante o seu desenvolvimento ela faça uma troca de objeto; do pai para sua escolha objetal definitiva.

Outra questão importante afirmada por Freud em relação à hostilidade da menina para com sua mãe é o fato de as meninas responsabilizarem as mães pela falta de pênis nelas. Nesse momento, ao verem os genitais do outro sexo, surge o Complexo de Castração. As meninas, então, sentem-se injustiçadas e passam a sentir “inveja do pênis”.

Com a descoberta de que é castrada e a partir das duas tarefas executadas pela menina, surgirá três caminhos possíveis:
                                     
1) inibição sexual ou neurose – baseado no recalcamento da sexualidade. Aqui, a menina consegue obter prazer da excitação do clitóris e manteve essa atividade em relação aos seus desejos sexuais dirigidos à mãe, os quais, muitas vezes são ativos. Devido a sua influência da inveja do pênis, ela perde este prazer que ela obtinha. Seu amor próprio é modificado pela comparação com o pênis e como conseqüência disso, ela renuncia à satisfação masturbatória derivada do clitóris, repudia seu amor pela mãe ao descobrir que esta também é castrada, e ao mesmo tempo reprime grande parte de suas inclinações sexuais em geral.

2) modificação do caráter; complexo de masculinidade - A menina apega-se à sua atividade clitoridiana e refugia-se numa identificação com sua mãe fálica ou com seu pai. A essência deste processo é que evita-se a afluência da passividade que abre caminho à mudança rumo à feminilidade.

3) feminilidade – alcançada no momento em que a mulher tem um filho homem. Desejo da menina de ter um filho do pai, este filho será como um substituto do pênis que a mulher não possui. Dessa forma, a feminilidade é atingida.





fonte: http://monitoriapsicanalisesp.blogspot.com.br/2010/11/feminilidade-sigmund-freud-conf-xxxiii.html


domingo, 7 de setembro de 2014

Ordem e Caos na Arteterapia

Ordem e Caos: um diálogo através da construção de Mandalas


Segundo Sonnerborn e Kessler (2013), por ocasião da exposição no Congresso na Eidgenössische Technische Hochschule, Jung foi fotografado com o indicador de uma das mãos diante de um Mandala apontando para o centro, referindo-se à função arquetípica do Self de conduzir ao centro. Nise destaca e comenta a foto: “Este é um gesto que por assim dizer resume a psicologia junguiana: apontar para o centro, o Self, simbolizado pela Mandala. O Self é o princípio e arquétipo da orientação e do sentido: nisso reside sua função curativa” (SILVEIRA, 1981, p. 52-53).


Processo de Individuação

            Para Jung, o processo de individuação é natural, inerente ao ser humano, podendo ser entendido como uma “[...] tendência instintiva a realizar plenamente potencialidades inatas” (SILVEIRA, 2003, p. 77-78).
Pode-se ver na obra de Jung diversas passagens em que o processo de individuação é expressivamente relacionado às Mandalas.
            Segundo Nise da Silveira (2003), no curso do processo de individuação, em torno desse centro e em função dele, vêm organizar-se os diferentes fatores psíquicos e mesmo os mais irreconciliáveis opostos... Cria-se uma ordem que “transforma o caos em cosmos”.
Jung (2012) acumulou informações por dez anos, antes de publicar em 1929, pela primeira vez sobre o tema, conceituando Mandala como:
Uma imagem cuja existência é verificável através de séculos e milênios. Designa a totalidade do Si-mesmo.[...] A Mandala visa à unidade, isto é, representa uma compensação da cisão, isto é, sua superação antecipada. (JUNG, 2012, p. 289).
Sonnerborn e Kessler (2013), D. destacam que Jung (2011a) constatou que em muitos de seus pacientes o símbolo da Mandala surgia espontaneamente, em sonhos, fantasias, desenhos, tanto em momentos de crise como durante o processo de análise, evidenciando equilíbrio e ordem, e assim, percebeu que se tratava de manifestações do Self, enquanto totalidade organizadora do indivíduo.
Na natureza, em condições de turbulência aparecem fenômenos espontâneos de organização. É o que também acontece em processos psíquicos com a tentativa de auto organização das desordens mentais, que podem ser expressas e até promovidas pelas manifestações artísticas.
Entre estas, segundo Jung (2011a), a pintura espontânea de Mandalas - representações concentricamente dispostas – é uma busca inconsciente da reorganização psíquica.
O trabalho de Nise da Silveira, no Museu do Inconsciente, foi resultado de observação, pesquisa, estudo e posteriores contribuições do próprio Jung, para quem Nise escreveu e remeteu algumas fotografias dos desenhos de dos seus pacientes, que denotavam complexidade e harmonia, aproximando-se aos desenhos de Mandalas contidos nos textos de religiões orientais. Jung os reconhece como Mandalas, as quais “davam forma a forças do inconsciente que buscavam compensar a dissociação esquizofrênica” (SILVEIRA, 1981, p.52).
Às questões de como tais produções poderiam ser interpretadas, Jung responde com perguntas como: “– Qual o significado do desenho para o autor, quais os sentimentos que desejava exprimir ao desenhá-los?”, destacando que os autores deveriam ser questionados sobre os sentimentos que as Mandalas lhes evocavam (SILVEIRA, 1981).
Nise e Jung perceberam o potencial do simbolismo da Mandala na psique, tanto como um recurso integrador como tentativa de busca e conexão com o Self.
De acordo com a concepção oriental, o símbolo mandálico não é apenas expressão, mas também atuação. Ele atua sobre seu próprio autor. Oculta-se neste símbolo uma antiquíssima atuação mágica, cuja origem é o “círculo de proteção”, ou “círculo encantado”, cuja magia foi preservada em numerosos costumes populares (JUNG; WILHELM, 2011).
“A Mandala possui uma eficácia dupla: conservar a ordem psíquica, se ela já existe; reestabelecê-la, se desapareceu. Nesse ultimo caso, exerce uma função estimulante e criadora” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2006, p.585-586).

Confecção de Mandalas na Arteterapia

Toda situação nova é, do ponto de vista da consciência, um caos a ser ordenado, o que pode gerar medo, ansiedade e angústia frente ao desconhecido.
Segundo Bernardo (2008), na Arteterapia, a confecção de Mandalas é uma atividade especialmente indicada para facilitar a abertura ao novo sem grandes angústias, bem como o acesso e a integração de novas possibilidades à consciência, ampliando-a.
No processo de confecção de uma Mandala, cria-se um círculo que atua em nossa psique como a configuração de um espaço integrador, análogo a um ventre, a um vaso, que corresponde ao que algumas culturas indígenas chamam de “espaço sagrado” ou “vaso mágico” (BERNARDO, 2008).
Simbolicamente, nos diz Bernardo (2008) que esse espaço corresponde ao nosso mundo interno, no qual acolhemos e trabalhamos com as nossa vivências, sentimentos e ideias, que é como um caldeirão em que acondicionamos e germinamos as sementes do novo, transformando nossas vivências em alimento de nosso crescimento psicológico.

Referências Bibliográficas

BERNARDO, Patricia Pinna, A Prática da Arteterapia: Correlações entre temas e recursos, volume I – Temas centrais em Arteterapia; Editado pela autora; São Paulo, 2008.
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos. 20ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo: obra completa. V. 9; 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011 a.
______. Memórias sonhos reflexões. 23. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 2012.
JUNG, C.G.; WILHELM, R. O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. 4. ed. Brasília: Alhambra, 1981.
______ Jung. (Coleção Vida & Obra); 19ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
SONNEBORN, D., KESSLER A.S. Mandala: um símbolo do processo de individuação., 2013 disponível em http://portal.ulbratorres.com.br/revistas/documentos20132/4.pdf, Acesso em março 2014.


Fonte: Texto fornecido pela Ana Alice Turbianelli